Nas Ilhas Galápagos, um paraíso biológico que inspirou Charles Darwin, o crescente aumento do tráfego de veículos está alterando o comportamento de uma de suas espécies mais icônicas: A mariquita-amarela de galápagos (Setophaga petechia aureola). Um estudo recente descobriu que o ruído dos carros não só interfere na comunicação dessas aves, mas também as torna mais agressivas, especialmente aquelas que vivem próximas às estradas.
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| mariquita-amarela de galápagos |
O Problema do Ruído na Natureza
Para muitas espécies animais, a comunicação acústica é
vital. Aves, em particular, dependem do canto para atrair parceiros, defender
territórios e até evitar conflitos físicos. Quando o barulho do tráfego máscara
esses sons, a comunicação falha, e as consequências podem ser graves.
Estudos anteriores já mostraram que pássaros em cidades
alteram seu canto para se fazerem ouvir – seja cantando mais alto, em
frequências mais agudas ou por mais tempo. Esse fenômeno, conhecido como Efeito
Lombard, é uma resposta evolutiva ao barulho humano. No entanto, pouco se
sabia sobre como a experiência prévia com ruído influencia essa adaptação.
Um Experimento em Duas Ilhas Diferentes
Para investigar essa questão, pesquisadores compararam duas
populações de mariquita-amarela de galápagos em ilhas com níveis distintos
de tráfego:
- Santa
Cruz: a mais urbanizada, com cerca de 62 carros por hora em
suas estradas principais.
- Floreana:
muito mais tranquila, com apenas 1,8 carros por hora.
O experimento consistiu em simular uma invasão territorial:
os cientistas tocaram gravações do canto de um macho rival, acompanhadas por
ruído de tráfego. Em seguida, observaram como as aves reagiam – tanto em
comportamento quanto em mudanças no canto.
Resultados Surpreendentes: Agressão e Adaptação
Os dados revelaram padrões intrigantes:
1. Aves Acostumadas ao Ruído Ficam Mais Agressivas
- Perto
das estradas (<50 m): Os pássaros aumentaram significativamente sua
agressividade quando o ruído estava presente. Eles se aproximavam mais do
alto-falante, voavam em torno dele e emitiam chamados de alerta.
- Longe
das estradas (>100 m): Curiosamente, essas aves reduziram a
agressão na presença do barulho, quase como se desistissem de competir.
Isso sugere que a experiência prévia com tráfego molda a
resposta comportamental. Aves que já vivem em áreas barulhentas parecem mais
propensas a recorrer à agressão física quando a comunicação falha.
2. Mudanças no Canto: Uma Tentativa de Adaptação
- Frequência
mínima: Todas as aves, independentemente da localização, aumentaram
ligeiramente o tom mais baixo de seu canto. Isso pode ajudar a evitar a
sobreposição com os ruídos graves dos motores.
- Duração
do canto:
- Em Santa
Cruz (alta poluição sonora), os pássaros cantaram por mais
tempo.
- Em Floreana (baixo
ruído), ocorreu o oposto – eles encurtaram suas vocalizações.
- Frequência
de pico: Apenas as aves distantes das estradas aumentaram
essa frequência, enquanto as que já viviam perto de ruído não fizeram
ajustes significativos.
Uma hipótese é que os pássaros de Santa Cruz já tenham
otimizado seu canto para o ambiente barulhento, enquanto os de Floreana ainda
estão aprendendo a se adaptar.
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| Mudança na resposta ao tratamento, mostrando a média para as pontuações de agressão (PC1) nos ensaios de controlo e experimentais, dependendo da ilha e da distância à estrada. |
Por Que Isso é Importante?
As descobertas têm implicações profundas:
- Conflitos
aumentados: Se o ruído induz a mais agressão, isso pode levar a mais
ferimentos ou gasto desnecessário de energia entre as aves.
- Impacto
reprodutivo: Como o canto é crucial para o acasalamento, mudanças na
comunicação podem afetar o sucesso reprodutivo.
- Conservação:
As Galápagos, embora protegidas, não estão imunes à poluição sonora. O
crescimento populacional e o aumento de veículos já estão deixando sua
marca na vida selvagem.
O Que Vem Depois?
Os pesquisadores destacam a necessidade de mais estudos para
entender:
- Se
essas mudanças no canto realmente melhoram a comunicação ou se são apenas
tentativas falhas de adaptação.
- Como
diferentes tipos de ruído (contínuo x intermitente) afetam o comportamento
das aves.
- Se
outras espécies nas ilhas estão sofrendo impactos semelhantes.
Enquanto isso, medidas como limites de velocidade em
estradas próximas a habitats sensíveis ou barreiras acústicas
naturais poderiam ajudar a reduzir o impacto do ruído humano.
Conclusão: Um Alerta para o Futuro das Galápagos
Este estudo mostra que mesmo em um dos ecossistemas mais
preservados do mundo, a influência humana está alterando comportamentos animais
de maneiras sutis, porém significativas. A mariquita-amarela de galápagos,
uma espécie comum e resiliente, está nos dando um sinal de alerta: o som dos
motores pode estar mudando não apenas a paisagem sonora das ilhas, mas também a
própria natureza de suas aves.
Artigo completo:
Hohl, L., Yelimlieş, A., Akçay, Ç., & Kleindorfer, S. (2025). Galápagos yellow warblers differ in behavioural plasticity in response to traffic noise depending on proximity to road. Animal Behaviour, 123119.
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Muito bom, ler essas atividades científicas, porque nos sensibilizam e nos fazem pensar. Parabéns Victor
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