A polinização é um processo essencial para a reprodução da maioria das plantas com flores. Estima-se que até 87% dessas espécies dependem de animais para transferir o pólen entre flores. Entre os mamíferos, esse papel geralmente é desempenhado por morcegos e, em menor escala, por marsupiais, roedores, pequenos carnívoros e primatas. No entanto, um grupo pouco explorado nesse contexto são os mamíferos não voadores de médio e grande porte. Um caso recente e surpreendente vem do lobo-etíope (Canis simensis), um carnívoro estrito e predador de topo, que demonstrou um comportamento raro: a busca por néctar em flores do poker vermelho etíope (Kniphofia foliosa), uma planta herbácea endêmica das montanhas afroalpinas da Etiópia.
Observações de Campo
O Kniphofia foliosa é encontrado principalmente nas pradarias de alta altitude da Etiópia, como as montanhas de Bale, onde também habita o lobo-etíope. Essa planta produz flores hermafroditas que dependem de polinizadores para a polinização cruzada. Os lobos foram observados visitando as flores durante a estação principal de floração, entre junho e novembro. Em maio e junho de 2023, pesquisadores acompanharam seis lobos pertencentes a três alcateias diferentes. As observações ocorreram em períodos matutinos e vespertinos, a partir de veículos localizados a cerca de 25 metros dos animais.
Os lobos aproximavam-se das flores, lambendo o néctar localizado nas partes inferiores das inflorescências, que continham maior concentração de néctar. Em cada incursão, o tempo dedicado a essa atividade variou de poucos segundos a até 4,5 minutos, dependendo do indivíduo. Alguns lobos visitaram poucas flores (1 a 5), enquanto outros interagiram com até 30 inflorescências em sequência.
Esse comportamento sugere que o consumo de néctar não é acidental, mas recorrente e generalizado entre a população de lobos-etíopes. Além disso, a possibilidade de transmissão cultural desse hábito é levantada, uma vez que o comportamento foi observado em indivíduos de diferentes idades e pertencentes a alcateias distintas.
Características da Polinização
Embora o consumo de néctar seja frequentemente associado a animais voadores, como pássaros e insetos, a polinização por mamíferos terrestres, conhecida como terofilia, é menos documentada. As flores do K. foliosa possuem características que favorecem essa interação, como uma estrutura robusta, estames proeminentes e grande produção de néctar.
Apesar de atrair diversos visitantes, incluindo aves como pássaros-do-sol e tentilhões, e outros mamíferos, como babuínos e cães domésticos, a presença dos lobos-etíopes como potenciais polinizadores levanta questões interessantes. É sabido que, para a maioria dos mamíferos terrestres, o néctar representa um complemento alimentar — a chamada “hipótese da sobremesa” —, sendo insuficiente para suprir suas necessidades energéticas. Isso parece ser o caso dos lobos-etíopes, que possuem uma dieta altamente especializada em roedores. Ainda assim, o esforço dedicado à coleta de néctar por alguns indivíduos sugere que essa atividade pode oferecer outros benefícios, como hidratação ou suplementação ocasional de energia.
A Importância Relativa dos Lobos como Polinizadores
Embora os lobos acumulem pólen em seus focinhos durante a coleta de néctar, isso não é, por si só, evidência suficiente de que atuam como polinizadores eficazes. Para confirmar esse papel, seria necessário avaliar se o pólen transportado é transferido para o estigma de outra flor, resultando na formação de frutos. Além disso, deve-se considerar os possíveis custos desse comportamento, como danos às flores ou perda de pólen durante a alimentação.
Outros polinizadores, como aves e insetos, podem ser mais eficientes na transferência de pólen entre populações, promovendo o fluxo genético. Por outro lado, mamíferos terrestres podem favorecer a diversidade genética local ao dispersar pólen entre plantas próximas. Assim, a combinação de vetores voadores e terrestres pode oferecer benefícios complementares para a reprodução da planta.
Perspectivas para a Pesquisa
A polinização por mamíferos terrestres ainda é um campo subexplorado. Desde que foi documentada pela primeira vez na década de 1930, poucos estudos se dedicaram a investigar como plantas dependem desses animais ou quais características florais favorecem essa interação. A descoberta do lobo-etíope como potencial polinizador é um exemplo fascinante que desafia conceitos tradicionais sobre interações planta-animal e sugere a existência de mais relações atípicas na natureza.
Questões futuras incluem determinar a importância do néctar na dieta dos lobos, avaliar se são polinizadores funcionais do K. foliosa e investigar possíveis evidências de coevolução entre os lobos e essas plantas. Essa pesquisa não só amplia nossa compreensão sobre a ecologia do lobo-etíope, mas também destaca a necessidade de proteger os ecossistemas afroalpinos e suas interações únicas.
A descoberta de grandes carnívoros terrestres, como o lobo-etíope, interagindo com plantas através da polinização demonstra que a biodiversidade ainda guarda muitas surpresas e que a conservação desses ambientes é essencial para preservar essas dinâmicas.
Artigo
Lai, Sandra, Don-Jean Léandri-Breton, Adrien Lesaffre, Abdi Samune, Jorgelina Marino, and Claudio Sillero-Zubiri. 2024. “ Canids as Pollinators? Nectar Foraging by Ethiopian Wolves May Contribute to the Pollination of Kniphofia Foliosa.” Ecology 105(12): e4470. https://doi.org/10.1002/ecy.4470



Comentários
Postar um comentário