Como uma espécie exótica pode prejudicar todo um ecossistema: O caso das tartarugas gigantes de Galápagos

Um estudo recente alerta para uma grave ameaça à biodiversidade das Ilhas Galápagos: a invasão da árvore exótica Cedrela odorata está comprometendo a migração de longa distância das tartarugas gigantes de Santa Cruz (Chelonoidis porteri), uma espécie criticamente ameaçada de extinção. A pesquisa, publicada na revista Ecology and Evolution, revela que a expansão dessa espécie invasora está bloqueando rotas migratórias essenciais para a sobrevivência desses répteis icônicos.

A ameaça das espécies invasoras

A introdução de espécies exóticas é uma das maiores ameaças à biodiversidade global, especialmente em ilhas oceânicas, onde ecossistemas únicos e frágeis abrigam espécies endêmicas que evoluíram em isolamento. A Cedrela odorata, uma árvore de crescimento rápido e altamente competitiva, foi introduzida em Santa Cruz na década de 1940 para uso madeireiro. Desde então, ela se espalhou para além das áreas agrícolas, invadindo o Parque Nacional de Galápagos e causando impactos devastadores na flora nativa. Florestas dominadas por Cedrela apresentam uma redução de 42% na riqueza de espécies endêmicas e um aumento significativo de plantas não nativas.

O impacto nas tartarugas gigantes

As tartarugas gigantes de Santa Cruz são conhecidas por suas migrações sazonais, que seguem os padrões de vegetação ao longo do gradiente de altitude da ilha. Durante a estação seca, elas se deslocam para as terras altas, onde a vegetação permanece produtiva, e retornam às terras baixas na estação chuvosa. Esse movimento é crucial para garantir acesso a alimentos de alta qualidade durante todo o ano, além de melhorar a condição corporal e a fecundidade das tartarugas.

Modelo conceitual ilustrando hipóteses sobre o motivo pelo qual as tartarugas de Galápagos podem evitar a floresta de Cedrela na Ilha de Santa Cruz. Os efeitos de borda no limite da floresta de Cedrela promovem a invasão por amoras-pretas exóticas, que frequentemente criam matagais impenetráveis ​​que bloqueiam as tartarugas migratórias de Galápagos. Com a distância da borda para o interior de grandes manchas de floresta de Cedrela, a sombra aumenta, e as tartarugas têm maior dificuldade em manter a temperatura corporal. Além disso, os baixos níveis de luz, juntamente com a natureza alelopática de Cedrela, eliminam a vegetação rasteira do solo da floresta, limitando a disponibilidade de forragem para as tartarugas.

No entanto, a invasão da Cedrela está criando barreiras físicas e ecológicas que impedem a migração. A árvore forma florestas densas que bloqueiam a luz solar, reduzem a vegetação no solo e criam áreas impenetráveis devido ao crescimento de outras espécies invasoras, como a amora-preta (Rubus niveus). Como resultado, as tartarugas estão evitando essas áreas, concentrando-se em corredores estreitos e livres de Cedrela para completar suas jornadas migratórias.

Consequências para a biodiversidade

A interrupção das migrações pode ter efeitos catastróficos não apenas para as tartarugas, mas para todo o ecossistema de Galápagos. As tartarugas gigantes são consideradas "engenheiras do ecossistema", desempenhando papéis vitais como herbívoras, dispersoras de sementes e recicladoras de nutrientes. A perda dessas funções pode desencadear impactos em cascata, afetando a diversidade de plantas e animais e alterando a estrutura do habitat em larga escala.

Além disso, a Cedrela não é uma ameaça limitada a Santa Cruz. A espécie já se estabeleceu em outras ilhas do arquipélago, como Isabela, Santiago e San Cristóbal, onde também existem populações de tartarugas gigantes endêmicas. A expansão continuada da árvore, impulsionada por mudanças climáticas e características biológicas favoráveis, pode agravar ainda mais a situação.

Desafios para o manejo

O controle da Cedrela em Galápagos é um desafio complexo. A árvore tem valor econômico significativo, sendo uma fonte importante de madeira para a construção e o artesanato local. No entanto, seu potencial destrutivo para a biodiversidade exige ações urgentes. Os pesquisadores recomendam a revisão do marco legal para permitir estratégias de manejo mais proativas, além de investir em pesquisas para prever a expansão da espécie e avaliar os impactos de diferentes métodos de controle.

A situação das tartarugas gigantes de Santa Cruz serve como um alerta para os riscos associados à introdução de espécies exóticas em ecossistemas insulares. A proteção desses animais emblemáticos e dos ecossistemas únicos de Galápagos exigirá esforços coordenados, baseados em ciência sólida e com o apoio de stakeholders locais e globais.

Conclusão

A invasão da Cedrela odorata representa uma ameaça crítica não apenas para as tartarugas gigantes de Galápagos, mas para todo o ecossistema do arquipélago. A perda das rotas migratórias pode levar ao declínio populacional desses répteis icônicos e a impactos ecológicos em cascata. Ações urgentes e bem planejadas são necessárias para equilibrar a conservação da biodiversidade e os interesses econômicos locais, garantindo a sobrevivência das tartarugas gigantes e a integridade dos ecossistemas de Galápagos.

 

Artigo
Blake, S., Cabrera, F., Rivas-Torres, G., Deem, S. L., Nieto-Claudin, A., Zahawi, R. A., & Bastille-Rousseau, G. (2024). Invasion by Cedrela odorata threatens long distance migration of Galapagos tortoises. Ecology and Evolution, 14, e10994. https://doi.org/10.1002/ece3.10994

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