No mundo natural, nós humanos sempre
tentamos colocar fenômenos ou descobertas de como a natureza funciona dentro de
caixinhas definidas por nós. Dentre essas caixinhas está o conceito de espécie,
conceito esse que existem mais de 20 diferentes formar de definir uma espécie,
mas uma delas é mais comum a nós, o conceito biológico de espécie, aquele que diz
que dois organismos são da mesma espécie se eles forem capazes de acasalar
entre eles e produzir descendentes férteis. Mas será mesmo que é isso? O mundo
natural é cheio de surpresas, aqui apresentamos um achado científico que, vai
na contramão do que muitos diriam ser razoável de acontecer. Uma espécie que
foi originada de outras duas, ou seja, um híbrido que com o tempo se tornou uma
espécie plena.
Uma equipa de investigadores descobriu
a primeira espécie de ave híbrida conhecida na floresta amazónica. Através de
uma série de testes genéticos e outros testes, incluindo penas, a equipa
revelou que o Dançador-de-coroa-dourada (Lepidothrix
vilasboasi) é de fato uma espécie híbrida. Enquanto as espécies
híbridas de plantas são muito comuns, as espécies híbridas de vertebrados são
extremamente raras, inclusive, já foi por muitos anos, um fato questionado por
muitos cientistas, se era viável nos vertebrados. O Dançador-de-coroa-dourada
foi uma nova espécie descoberta em 1957 e só voltou a ser vista em 2002.
A sua raridade levou pelo menos um biólogo a propor que as aves poderiam ser um
híbrido raro. “Sempre tive curiosidade sobre isto”, disse Weir, um dos
cientistas envolvidos na descoberta. “Se representassem híbridos, por que é que
seriam amarelos? É tão diferente da espécie-mãe”. Para resolver o mistério, os
investigadores fizeram várias viagens à Amazónia entre 2012 e 2015 para
capturar as três espécies e recolher amostras de sangue para análise de DNA.
Os investigadores também utilizaram uma técnica chamada modelagem coalescente para determinar em que momento o dançador-de-coroa-dourada se separou da sua espécie parental. Determinaram que foi há cerca de 180 mil anos que as duas espécies parentais acasalaram originalmente e que ambas as espécies parentais divergiram de um antepassado comum há cerca de 300 mil anos, o que torna as três aves muito recentes para os padrões da floresta amazónica. “A maioria das espécies de aves da Amazónia divergiu do seu parente mais recente há cerca de 1,5 a 4 milhões de anos, pelo que, em comparação, estas são todas aves jovens”, afirma Weir.
O macho da espécie dançador-de-coroa-dourada
tem penas amarelas únicas na coroa, muito mais vivas do que as da sua espécie
parental. Para saber mais sobre está caraterística, os investigadores
analisaram mais de perto a estrutura de queratina das penas da coroa das três
espécies de aves, utilizando um microscópio eletrónico. As duas espécies
parentais têm disposições estruturais muito diferentes da queratina, que é
responsável pela criação das cores altamente reflectoras que ajudam os machos a
exibir-se às fêmeas no interior escuro da floresta tropical. No caso do dançador-de-coroa-dourada,
descobriram que tinha uma mistura de estruturas de queratina de ambas as
espécies parentais. O do dançador-de-coroa-dourada acabou por ter uma estrutura
de queratina intermédia que não consegue produzir nem o branco brilhante de uma
das espécies e nem a iridescência refletora da outra espécie parental.
É provável que o dançador-de-coroa-dourada
tenha tido penas brancas ou cinzentas no início da sua existência, devido à sua
estrutura de queratina, mas acabou por desenvolver penas amarelas como forma
alternativa de atrair as fêmeas. O resultado é uma espécie de cor única. O dançador-de-coroa-dourada
vive numa área do centro-sul da floresta amazónica com cerca de 200 km² e está
largamente separado das áreas onde vivem as outras duas espécies por rios
largos que as aves têm relutância em atravessar. Como salienta Weir, um dos
pesquisadores responsáveis por essa descoberta, é provável que a sua
sobrevivência como espécie se deva ao facto de ter sido isolada geograficamente
da sua espécie parental, a dada altura, durante uma era de graciação passada,
quando a cobertura da floresta tropical se contraiu e os rios largos formaram
barreiras naturais. “Sem o isolamento geográfico, é muito provável que isto
nunca tivesse acontecido, porque não se vê os híbridos a evoluírem como
espécies separadas noutras áreas onde ambas as espécies parentais se encontram”,
finaliza.
Existem alguns potenciais candidatos a espécies híbridas na
natureza, como o lobo vermelho do leste da América do Norte, possivelmente um
híbrido entre o coiote e o lobo cinzento. E embora os híbridos de duas espécies
ocorram na natureza, na maioria dos casos não desenvolvem caraterísticas únicas
para se tornarem espécies separadas.
Referência.
- Alfredo
O. Barrera-Guzmán, Alexandre Aleixo, Matthew D. Shawkey, Jason T.
Weir. Hybrid
speciation leads to novel male secondary sexual ornamentation of an
Amazonian bird. Proceedings
of the National Academy of Sciences, 2017; 201717319 DOI: 10.1073/pnas.1717319115
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