O Aumento dos Eventos de Calor Extremo e seus Impactos na Saúde Humana: Um Alerta para o Futuro

O calor extremo ameaça a vida humana, evidenciado por >260.000 mortes relacionadas com o calor, coletivamente, nos eventos mais mortíferos desde 2000. Nos últimos anos, os eventos de calor extremo têm se tornado cada vez mais frequentes e intensos, com consequências devastadoras para a saúde humana e o meio ambiente. Um artigo científico recente, publicado na revista Nature Reviews earth & environment, traz uma análise detalhada sobre como o aquecimento global está amplificando esses eventos e quais são os riscos associados para a população mundial.

O Calor Extremo e suas Consequências

O aquecimento global, impulsionado pelas atividades humanas, está causando um acúmulo de calor nos oceanos, na terra e na atmosfera. Esse aumento de temperatura se manifesta de forma mais direta no ar que respiramos, com os termômetros marcando valores cada vez mais altos. Desde a era pré-industrial, a temperatura média global já subiu mais de 1°C. No entanto, o calor não é apenas "seco" — ele também inclui a umidade do ar, que pode tornar as condições ainda mais insuportáveis.

Os eventos de calor extremo, tanto secos quanto úmidos, têm implicações graves para a vida humana. Eles podem causar danos à agricultura, prejudicar infraestruturas sensíveis ao calor e, mais diretamente, levar a problemas de saúde e até mesmo à morte. Nos últimos anos, ondas de calor extremo já causaram centenas de milhares de mortes em todo o mundo. Por exemplo, a onda de calor na Europa em 2003 matou cerca de 72.000 pessoas, enquanto a de 2022 causou mais de 62.000 mortes. Na Rússia, em 2010, mais de 56.000 pessoas perderam a vida devido ao calor extremo.

Com o aumento contínuo das temperaturas globais, a frequência e a intensidade desses eventos devem crescer, representando uma ameaça significativa para a saúde pública. Estima-se que, se o aquecimento global atingir 2°C acima dos níveis pré-industriais, eventos de calor mortal que antes ocorriam uma vez a cada 100 anos podem se tornar comuns, ocorrendo a cada poucos anos.

Para entender os impactos do calor extremo, é essencial compreender os processos físicos que levam a esses eventos. O calor extremo é frequentemente associado a sistemas de alta pressão, que causam o aquecimento do ar, reduzem a cobertura de nuvens e diminuem a precipitação. Esses efeitos podem ser amplificados quando o sistema de alta pressão fica estacionário, como ocorreu durante a onda de calor na Europa em 2003 e na América do Norte em 2021.

Além disso, fatores como a umidade do solo, a cobertura vegetal e a urbanização também influenciam a intensidade do calor. Por exemplo, em áreas urbanas, o asfalto e a falta de vegetação podem aumentar a temperatura local, criando ilhas de calor. Por outro lado, a irrigação em áreas agrícolas pode aumentar a umidade do ar, intensificando o calor úmido.

a, A probabilidade empírica de o índice de calor máximo anual exceder o limiar não compensável para os adultos mais jovens (18-40 anos) durante 1 h  no período 1994-2023. b, Como no painel a, mas para médias de seis horas. c, Como no painel a, mas para o limiar não compensável em adultos mais jovens durante 6h. d, Como no painel a, mas para adultos mais velhos (>65 anos). e, Como no painel b, mas para adultos mais velhos. f, Como no painel c, mas para adultos mais velhos. Os valores indicam a percentagem da superfície terrestre que registou pelo menos um ano em que o limiar foi ultrapassado; se <5%, as células da grelha que ultrapassam o limiar são apresentadas a vermelho em vez da barra de cores. O calor incompensável ocorreu raramente para os adultos mais jovens e mais amplamente para os adultos mais velhos nas regiões tropicais e subtropicais; o calor insuperável ocorreu nas regiões subtropicais mais quentes para os adultos mais velhos.

Os limiares não compensáveis (temperaturas de bulbo húmido ~19-32 °C) dependem fortemente da idade e da combinação da temperatura do ar e da humidade relativa. Estes limiares foram raramente ultrapassados no caso dos adultos mais jovens (~2,2% da área terrestre no período 1994-2023), mas mais amplamente no caso dos adultos mais velhos (~21%). Os limiares insuperáveis (temperaturas de bulbo húmido ~20-34 °C) só foram ultrapassados para os adultos mais velhos (~1,8% da superfície terrestre). O aquecimento antropogênico conduzirá a ultrapassagens mais frequentes dos limiares, incluindo a triplicação da área terrestre não compensável para os jovens adultos se o aquecimento atingir 2 °C acima dos níveis pré-industriais.

Mudanças nos Eventos de Calor Extremo

Os dados mostram que os eventos de calor extremo estão se tornando mais intensos e frequentes em todo o mundo. Regiões como a Europa Ocidental e a Amazônia estão experimentando aumentos significativos na temperatura máxima anual, com valores que superam em cinco vezes a média global. Além disso, a exposição ao calor úmido extremo está aumentando mais rapidamente do que ao calor seco, especialmente em regiões de baixa latitude, onde a população é mais densa.

Modelos climáticos projetam que, com o aquecimento global contínuo, os eventos de calor extremo se tornarão ainda mais comuns e intensos. Por exemplo, se o aquecimento global atingir 4°C acima dos níveis pré-industriais, eventos de calor que antes eram raros podem se tornar até 7,4 vezes mais frequentes.

Os Limites da Tolerância Humana ao Calor

O corpo humano tem limites fisiológicos para lidar com o calor extremo. Quando a temperatura e a umidade atingem certos níveis, o corpo não consegue mais se resfriar adequadamente, levando a um aumento perigoso da temperatura interna. Esse limite, conhecido como "calor insuportável", pode ser fatal se mantido por várias horas.

Estudos mostram que, em algumas regiões do mundo, como o Golfo Pérsico e o Vale do Indo-Ganges, esses limites já foram ultrapassados. Com o aquecimento global, essas áreas podem experimentar condições de calor insuportável com mais frequência, colocando milhões de pessoas em risco.

Adaptação e Mitigação: O Que Pode Ser Feito?

Diante desse cenário alarmante, a adaptação e a mitigação são essenciais. Estratégias individuais, como o uso de roupas leves e o acesso a ambientes refrigerados, podem ajudar a reduzir os impactos do calor extremo. No nível comunitário, sistemas de alerta de calor e a criação de "refúgios frescos" são medidas importantes para proteger a população, especialmente os mais vulneráveis, como idosos e pessoas com doenças crônicas.

No entanto, a adaptação tem seus limites. O uso generalizado de ar-condicionado, por exemplo, pode aumentar a demanda por energia e exacerbar o aquecimento global. Além disso, em regiões mais pobres, o acesso a tecnologias de resfriamento é limitado, deixando muitas pessoas expostas ao calor extremo.

A longo prazo, a única solução sustentável é a redução das emissões de gases de efeito estufa. Limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C acima dos níveis pré-industriais é crucial para evitar os piores cenários de calor extremo e seus impactos devastadores.

Conclusão: Um Futuro Mais Quente e Desafiador

O aumento dos eventos de calor extremo é uma das consequências mais diretas e perigosas do aquecimento global. Compreender os processos físicos por trás desses eventos e seus impactos na saúde humana é essencial para desenvolver estratégias eficazes de adaptação e mitigação. No entanto, sem uma ação global urgente para reduzir as emissões de carbono, o futuro pode trazer ondas de calor ainda mais intensas e mortais, colocando em risco milhões de vidas em todo o mundo.

A ciência já nos alertou sobre os perigos do calor extremo. Agora, cabe a nós agir para proteger as gerações presentes e futuras.

Artigos

Matthews, T., Raymond, C., Foster, J. et al. Mortality impacts of the most extreme heat events. Nat Rev Earth Environ (2025). https://doi.org/10.1038/s43017-024-00635-w

Comentários