A Jornada da Humanidade pelas Florestas Tropicais
A espécie humana, Homo sapiens, surgiu na África há aproximadamente 300 mil anos. Desde então, nossos ancestrais se espalharam por diversos biomas, desde desertos até florestas tropicais, mas os contextos ecológicos e ambientais da nossa evolução ainda são pouco compreendidos. No entanto, a ideia de que as savanas e as zonas costeiras foram os principais cenários para o desenvolvimento humano tem dominado os estudos arqueológicos. Agora, essas novas evidências encontradas mostram que as florestas tropicais também foram lar para nossos ancestrais, muito antes do que se imaginava.
O sítio de Bété I, localizado a cerca de 20 km ao norte de Abidjan, na Costa do Marfim, foi escavado pela primeira vez entre 1982 e 1993 por uma missão conjunta da Costa do Marfim e da Rússia. Recentemente, uma nova investigação no local revelou que humanos viviam ali há pelo menos 150 mil anos.
Evidências de uma Vida Antiga na Floresta
Os pesquisadores encontraram ferramentas de pedra, como
picaretas e pequenos instrumentos retocados, que indicam a presença humana no
local. Além disso, análises de sedimentos, biomarcadores vegetais e
microfósseis, como pólen e fitólitos, confirmaram que o ambiente ao redor de
Bété I era uma floresta tropical úmida, com rios, pântanos e uma vegetação
densa. Essas descobertas são consistentes com a ideia de que a região funcionou
como um refúgio para as florestas tropicais durante períodos áridos do Pleistoceno.
A datação das camadas sedimentares foi realizada usando
técnicas avançadas, como luminescência opticamente estimulada (OSL) e
ressonância de spin eletrônico (ESR). Esses métodos confirmaram que os
artefatos mais antigos datam de cerca de 150 mil anos, enquanto camadas mais
recentes, com ferramentas típicas do Paleolítico Médio, datam de 20 a 12 mil
anos atrás.
O Que Isso Significa para a História Humana?
A descoberta de Bété I é revolucionária por vários motivos.
Primeiro, ela mostra que os humanos não apenas passavam por florestas
tropicais, mas as habitavam de forma dedicada, adaptando-se a um ambiente
complexo e desafiador. Segundo, ela sugere que as florestas tropicais da África
Ocidental podem ter servido como refúgios durante períodos de mudanças
climáticas extremas, permitindo que populações humanas sobrevivessem e
evoluíssem em ambientes estáveis.
Além disso, a presença de ferramentas pesadas, como
picaretas, em Bété I pode indicar que os humanos desenvolveram soluções
tecnológicas específicas para lidar com as demandas da vida na floresta. Isso
contrasta com as ferramentas encontradas em outros sítios africanos da mesma
época, que estão associados a ambientes mais abertos, como savanas.
Um Novo Capítulo na História Humana
Infelizmente, o sítio de Bété I foi destruído entre 2020 e
2021 devido a atividades de mineração. No entanto, as descobertas feitas ali
continuarão a influenciar nossa compreensão do passado humano, mostrando que as
florestas tropicais foram muito mais do que meros cenários na jornada da
humanidade – elas foram lar, refúgio e escola para nossos ancestrais.
Esta pesquisa não apenas redefine nossa compreensão sobre onde e como os primeiros humanos viveram, mas também nos lembra da importância de preservar esses ecossistemas únicos, que guardam segredos milenares sobre nossa própria história.
Artigo:
Eslem Ben
Arous, James A. Blinkhorn, Sarah Elliott, Christopher A. Kiahtipes, Charles D.
N’zi, Mark D. Bateman, Mathieu Duval, Patrick Roberts, Robert Patalano,
Alexander F. Blackwood, Khady Niang, Eugénie Affoua Kouamé, Edith Lebato, Emily
Hallett, Jacopo N. Cerasoni, Erin Scott, Jana Ilgner, Maria Jesús Alonso
Escarza, Francois Yodé Guédé, Eleanor M. L. Scerri. Humans in Africa’s wet
tropical forests 150 thousand years ago. Nature, 2025; DOI:
10.1038/s41586-025-08613-y


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