Mixodectes: O Enigmático Ancestral dos Mamíferos que Desafia a Ciência


No alvorecer do Paleoceno, entre 66 e 56 milhões de anos atrás, quando a Terra ainda se recuperava da extinção dos dinossauros, um peculiar mamífero escalava as árvores primitivas da América do Norte. O Mixodectes pungens, espécie pertencente à misteriosa família Mixodectidae, sempre foi um quebra-cabeça evolutivo para os paleontólogos. Durante mais de um século, esses animais foram classificados de maneira oscilante entre diferentes grupos de mamíferos placentários – desde parentes dos primatas até ancestrais dos colugos (os atuais "lêmures voadores") – devido à escassez de material fóssil completo. A descoberta de um esqueleto parcial excepcionalmente preservado, encontrado na Formação Nacimiento, na Bacia de San Juan (Novo México), trouxe finalmente novas luzes sobre esse enigma. O fóssil, inclui um crânio parcial com dentes antes desconhecidos, vértebras, costelas, membros anteriores e posteriores, além de elementos das cinturas escapular e pélvica, oferecendo o retrato mais completo já feito desse animal.

A análise detalhada do esqueleto revelou que o Mixodectes pungens era um mamífero arbóreo de médio porte, com adaptações impressionantes para a vida nas árvores. Seus ossos contam a história de um escalador ágil: as articulações dos ombros e quadris eram altamente móveis, os membros anteriores possuíam fortes músculos flexores para agarrar galhos, e a cauda longa – representada por cerca de 20 vértebras caudais – funcionava como um ótimo estabilizador durante os deslocamentos verticais. O animal média aproximadamente 70 cm de comprimento e pesava entre 1,2 e 1,4 kg, um tamanho considerável para um mamífero daquela época. Seus dentes, com características dos dentes com o formato de crista afiada, sugerem uma dieta onívora, baseada em folhas, frutos e possivelmente pequenos invertebrados, diferenciando-o dos colugos modernos, que são estritamente folívoros (herbívoro com uma alimentação especializada à base de folhas). Além disso, as garras curvadas e as falanges robustas indicam um hábito de escalada semelhante ao de alguns primatas primitivos, como os Plesiadapiformes (Também chamados de Proprimates).

A grande questão que esse fóssil ajuda a responder é a posição dos mixodectídeos na árvore evolutiva dos mamíferos. Estudos filogenéticos recentes, utilizando matrizes morfológicas atualizadas, apoiam a hipótese de que o Mixodectes pertence ao grupo Euarchonta, que inclui primatas, colugos e tupaias (Os tupaias ou musaranhos-arborícolas são animais de pequenas dimensões, semelhantes a esquilos, nativos das florestas do Sudeste asiático). No entanto, sua classificação mais precisa ainda gerar debate. Algumas análises o colocam como um primatomorfo basal (parente próximo do ancestral comum de primatas e colugos), enquanto outras sugerem que ele poderia ser um dermóptero primitivo (relacionado diretamente aos colugos). A semelhança com os microsipídeos – outra família extinta de possíveis euarchontos – complica ainda mais o cenário, já que ambos os grupos compartilham características cranianas e dentárias peculiares. Independentemente da classificação exata, o Mixodectes representa um experimento evolutivo fascinante: um mamífero de tamanho avantajado que explorou um nicho arbóreo logo após o desaparecimento dos dinossauros, competindo com outros escaladores primitivos, como os plesiadapiformes.

Essa descoberta não apenas preenche uma lacuna crucial no entendimento da evolução dos euarchontos, mas também ilustra como a vida se diversificou rapidamente após a extinção em massa do Cretáceo-Paleogeno. O Mixodectes mostra que, mesmo em um mundo pós-dinossauros, a competição por recursos já moldava estratégias ecológicas distintas. Seu esqueleto é uma janela para um tempo em que os mamíferos começavam a explorar novos ambientes, testando combinações de características que mais tarde seriam refinadas em linhagens como primatas e colugos. A cada fóssil como esse, a história da vida na Terra ganha novos detalhes – e o Mixodectes, finalmente, sai das sombras do desconhecido para ocupar seu lugar na narrativa da evolução.

 

Artigo

Chester, S.G.B., Williamson, T.E., Crowell, J.W. et al. New remarkably complete skeleton of Mixodectes reveals arboreality in a large Paleocene primatomorphan mammal following the Cretaceous-Paleogene mass extinction. Sci Rep 15, 8041 (2025). https://doi.org/10.1038/s41598-025-90203-z

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