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| Amantio di Nicolao/Wikimedia Commons |
O estudo, um dos mais abrangentes já realizados sobre o
tema, foi publicado na revista Science e revela como a iluminação artificial
está interferindo no relógio biológico de centenas de espécies de aves.
Para chegar a essas conclusões, os cientistas não
percorreram florestas e cidades com gravadores. Em vez disso, eles usaram uma
poderosa ferramenta de ciência cidadã chamada BirdWeather.
Como Funcionou: Milhares de voluntários ao redor do mundo instalaram pequenos gravadores automáticos em seus quintais, janelas ou parques locais.
- Todos
os sons captados foram analisados por um algoritmo de computador avançado,
o BirdNET, que é capaz de identificar automaticamente o canto
de cerca de 6.000 espécies de pássaros.
- Os
pesquisadores coletaram um total de 181 milhões de detecções de cantos.
Eles calcularam, para cada dia e local, o horário do primeiro
canto da manhã (em relação ao nascer do sol) e do último
canto da noite (em relação ao pôr do sol).
- Usando
dados de satélites, a equipe mediu o nível de poluição luminosa (o brilho
artificial do céu noturno) exatamente nos locais dos gravadores.
No final, a análise incluiu 2,6 milhões de
observações do primeiro canto (de 583 espécies) e 1,8 milhão do
último canto (de 493 espécies), tornando este o estudo mais completo sobre o
assunto.
Os resultados são claros: em áreas muito iluminadas, os
pássaros estão significativamente mais ativos.
- Manhãs
mais precoces: Nas áreas mais brilhantes, as aves começam a
cantar, em média, 18 minutos mais cedo do que em áreas
escuras.
- Noites
mais tardias: O efeito à noite é ainda mais forte. Nas cidades
iluminadas, os pássaros param de cantar 32 minutos mais tarde.
- Total: Somando
a manhã e a noite, a atividade vocal é prolongada em 50 minutos por
dia devido às luzes artificiais.
É como se os pássaros enxergassem a luz dos postes e prédios
como um prolongamento do dia. Seu relógio interno é enganado.
Quais Pássaros São Mais Afetados? Características
Importam
A pesquisa não parou na média geral. Ela investigou quais pássaros
são mais sensíveis à luz e descobriu que certas características tornam algumas
espécies mais vulneráveis:
- Olhos
Grandes: Espécies com olhos grandes (como corujas-diurnas, ou
pássaros que vivem no interior de florestas escuras) são as mais afetadas.
Elas começam a cantar 35 minutos mais cedo e param 56
minutos mais tarde. A teoria é que seus olhos, adaptados para enxergar
bem no escuro, são muito mais sensíveis à luz artificial.
- Tipo
de Ninho: Pássaros que fazem ninhos em buracos de árvores (como
pica-paus ou alguns papagaios) são menos afetados. O ninho age como um
"blackout", protegendo-os da luz. Já os pássaros com ninhos
abertos (em galhos, por exemplo) estão muito mais expostos.
- Espécies
Migratórias: Aves que migram longas distâncias responderam mais
fortemente à poluição luminosa. Cientistas acreditam que a migração
noturna as torna mais flexíveis para ajustar seu ritmo circadiano.
- Área
de Distribuição: Espécies que vivem em grandes áreas (como
continentes inteiros) foram mais sensíveis do que espécies que vivem
apenas em uma pequena região, sugerindo que são mais adaptáveis em geral.
A Época do Ano Faz Diferença
O impacto da luz artificial não é o mesmo o ano todo. Os
efeitos são mais fortes durante a primavera e o verão, a época de
reprodução das aves.
Isso é particularmente preocupante, alerta o estudo. A época
de reprodução já é um período biologicamente intenso e estressante para os
pássaros. Perturbar seu sono e descanso neste momento pode ter consequências
sérias para sua saúde e para o sucesso de criar seus filhotes.
No Hemisfério Norte, os maiores efeitos foram observados
entre maio e junho. No Hemisfério Sul, entre dezembro e janeiro. Mas o trabalho falha em não trazer dados da América do Sul e da África.
A prolongação artificial do dia pode ser boa ou ruim para os
pássaros? Os cientistas ainda não sabem.
- O
lado negativo: 50 minutos a menos de descanso por noite pode
levar a problemas de saúde, estresse e redução na capacidade de cuidar dos
filhotes.
- O
lado positivo: Mais horas de "dia" podem significar
mais tempo para procurar comida para os filhotes, potencialmente
aumentando suas chances de sobrevivência. Alguns estudos menores já
observaram pais alimentando seus filhotes durante a noite em áreas iluminadas.
A grande questão que permanece é: no final, a
poluição luminosa está ajudando ou prejudicando a sobrevivência das aves? Responder
a isso exigirá novos estudos focados na saúde e na reprodução desses animais.
Um Apelo pela Escuridão
Este estudo macro evidencia uma forma de poluição muitas
vezes esquecida, mas com um impacto profundo e global na vida selvagem. A
escuridão natural da noite está se tornando um recurso cada vez mais raro.
Os pesquisadores concluem com um alerta: restaurar a
escuridão de nossas noites é um dos grandes desafios de conservação do século
XXI. Assim como combatemos as mudanças climáticas, precisamos de cooperação
global para controlar a poluição luminosa e apagar algumas luzes, para
que os pássaros – e todo o ecossistema – possam descansar.
Artigo original:
Brent S. Pease, Neil A. Gilbert ,Light pollution prolongs avian activity.Science389,818-821(2025).DOI:10.1126/science.adv9472

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