Uma relação de 24 milhões de anos: Fósseis revelam o encontro secreto entre abelhas e flores de Tília
No mundo da paleontologia, poucas descobertas são tão emocionantes quanto aquelas que congelam um momento no tempo. Não apenas os ossos de uma criatura antiga ou a impressão de uma folha extinta, mas um instante de interação, um comportamento fossilizado que nos conta uma história. Recentemente, cientistas desenterraram exatamente isso: a evidência fóssil direta de uma mamangava visitando uma flor de tília há impressionantes 24 milhões de anos.
Esta descoberta é extraordinária.
Fósseis que preservam uma interação ecológica em pleno ato são incrivelmente
raros. Na maioria das vezes, os cientistas precisam inferir essas relações com
base em pistas indiretas. No entanto, este achado fornece uma prova concreta e
irrefutável de uma parceria que floresceu no Oligoceno e que,
surpreendentemente, persiste até os dias de hoje nos jardins e florestas do
Hemisfério Norte. Esta é a história de como a descoberta abriu uma janela para
um mundo perdido, revelando um dos mais antigos casos de polinização já
documentados, preservado em detalhes impressionantes na pedra.
O antigo lago de enspel
Para reconstruir ecossistemas do
passado, os paleontólogos dependem de locais especiais, verdadeiras cápsulas do
tempo geológicas, onde as condições de preservação foram perfeitas. O sítio de
Enspel, no oeste da Alemanha, é um desses lugares. Durante o Oligoceno
Superior, há cerca de 24 milhões de anos, a paisagem ali era dominada por um
campo vulcânico. Dentro de uma cratera, formou-se um lago profundo, conhecido
como maar, que se tornou o cenário do nosso encontro ancestral.
Ao longo de milênios, sedimentos finos acumularam-se no fundo deste lago, aprisionando e preservando delicadamente os organismos que viviam na região ou que caíam em suas águas. A datação radiométrica das rochas vulcânicas que cobrem esses sedimentos permite aos cientistas determinarem a idade dos fósseis com notável precisão. Os espécimes desta história, as flores e as abelhas, foram encontrados nas camadas mais superiores, datadas em aproximadamente 24 milhões de anos.
Coletados durante escavações
sistemáticas realizadas entre 1991 e 2017, esses fósseis permaneceram como
peças de um quebra-cabeça. Somente agora, com análises detalhadas, a conexão
entre eles foi revelada, trazendo à vida os protagonistas fossilizados que
habitaram as margens desse antigo lago.
Para compreender a interação, o
primeiro passo é conhecer os envolvidos. A análise detalhada revelou que tanto
a flor quanto as abelhas eram espécies completamente novas para a ciência, cada
uma com características únicas que as distinguem de suas parentes modernas e de
outros fósseis conhecidos.
A flor: Tilia magnasepala,
uma tília ancestral
A flor no centro desta história
foi formalmente nomeada Tilia magnasepala. Seu nome, que
significa "sépalas grandes", aponta para sua característica mais
definidora: sépalas que não eram apenas grandes, mas, numa inversão da norma
moderna, eram de tamanho igual ou até maiores que suas pétalas.
A Tilia magnasepala era uma flor com cinco partes (pentâmera), hermafrodita e com um ovário densamente coberto por pelos finos, conhecidos como tricomas. Apesar de suas peculiaridades, ela compartilhava muitas semelhanças com as tílias atuais. A mais importante delas era a presença de nectários na base das sépalas, formados por aglomerados de tricomas que secretavam um néctar adocicado, a recompensa perfeita para atrair polinizadores. Embora sua morfologia floral geral a coloque inequivocamente no gênero Tilia, suas características únicas tornam difícil associá-la a uma seção específica do gênero moderno, sugerindo que ela pode representar uma linhagem com uma combinação de traços que não existe mais hoje.
Os polinizadores: As mamangavas Bombus messegus e Bombus palaeocraterOs parceiros de polinização desta
flor ancestral eram igualmente notáveis: duas espécies de mamangavas tão
antigas que exigiram a criação de ramos inteiramente novos na árvore
genealógica dos Bombus. Eles foram classificados em dois novos
subgêneros para refletir sua posição evolutiva:
- Bombus (Kronobombus) messegus
- Bombus (Timebombus) palaeocrater
A etimologia de seus nomes
celebra a descoberta. Kronobombus combina a palavra grega para
"tempo" (khrónos) com Bombus, enquanto Timebombus
faz o mesmo com a palavra em inglês. O nome da espécie messegus vem do
grego para "no meio", sugerindo sua posição evolutiva intermediária,
e palaeocrater significa "cratera antiga", uma homenagem
direta ao lago onde foi encontrada.
Essas abelhas ancestrais representam linhagens primitivas, um vislumbre da jornada evolutiva das mamangavas. A sua venação das asas, por exemplo, exibe um mosaico de características antigas e modernas que ajuda a preencher uma lacuna no registo fóssil do grupo. A B. messegus era um inseto robusto, com um comprimento total do corpo (preservado) de até 22,4 mm e um comprimento de asa (preservado) de cerca de 13,6 mm. Já a B. palaeocrater era um pouco menor, com um corpo (preservado) de 15 mm e asas (preservadas) de 7,7 mm.
A descoberta e a descrição dessas
novas espécies foram apenas o começo. A verdadeira revelação estava escondida
em uma evidência microscópica que as conectava de forma inegável.
O pólen que une flor e abelha
Em qualquer investigação de
polinização, o pólen é a impressão digital forense que liga a planta ao seu
polinizador. Encontrar o mesmo tipo de pólen tanto na flor quanto na abelha é a
prova irrefutável de sua interação. E foi exatamente isso que a análise forense
dos fósseis de Enspel revelou.
A primeira parte da evidência
veio diretamente das flores de Tilia magnasepala. Usando técnicas
avançadas de microscopia (luz, eletrônica de varredura e de transmissão), os
cientistas analisaram o pólen encontrado in situ, ou seja, ainda
preservado dentro das anteras das flores fósseis. Isso permitiu criar um perfil
detalhado e inconfundível do pólen dessa espécie ancestral, a assinatura
microscópica da vítima.
A segunda e mais crucial parte da
evidência surgiu ao examinar os seis espécimes de mamangavas. Para a surpresa e
deleite dos pesquisadores, os corpos das abelhas estavam cobertos com uma
abundância do mesmíssimo tipo de pólen de Tilia. A análise da
localização do pólen nos corpos das abelhas revelou um padrão claro. A maior
concentração estava em suas superfícies ventrais, nas pernas, no tórax
(mesossoma), entre as peças bucais e por entre as placas abdominais (esternos
metassomais). Em um dos espécimes de B. messegus, uma das pernas estava
tão densamente coberta que parecia ter sido "empacotada" com pólen de
Tilia.
Este padrão pinta um quadro
vívido do comportamento delas: as mamangavas rastejavam sobre as flores em
forma de tigela para alcançar o néctar na base. Ao fazer isso, seus corpos
peludos roçavam nas anteras, fazendo com que o pólen se soltasse e aderisse a
elas. A localização do pólen entre as peças bucais confirma a alimentação com
néctar, o pólen no corpo e nas pernas confirma o contato direto, e a perna
"empacotada" confirma a coleta ativa de pólen para transporte,um
comportamento idêntico ao de suas descendentes modernas.
Esta evidência espetacular não
apenas prova uma interação específica ocorrida há 24 milhões de anos, mas
também abre uma porta para entendermos a longa história compartilhada entre
esses dois grupos de organismos fundamentais para os ecossistemas terrestres.
A história biogeográfica de Tilia
e Bombus
A descoberta de Enspel não é um
evento isolado, mas sim um capítulo notável em uma longa saga de coexistência
que se estende por dezenas de milhões de anos e por vários continentes. Ao
olharmos para as tílias modernas, vemos que elas são visitadas por uma vasta
gama de insetos, incluindo besouros, moscas e borboletas. No entanto, as
abelhas, e em particular as mamangavas do gênero Bombus, são
universalmente consideradas suas principais e mais eficientes polinizadoras. O
fóssil de Enspel mostra que essa relação já estava bem estabelecida há muito
tempo.
O registro fóssil revela que
tanto Tilia quanto Bombus surgiram durante o Eoceno na América do
Norte. As folhas mais antigas de Tilia datam de aproximadamente 49
milhões de anos, enquanto o fóssil mais antigo de Bombus tem cerca de 34
milhões de anos. Após suas origens, ambos os grupos se espalharam pelo
Hemisfério Norte. A coexistência deles não se limitou a Enspel; fósseis de Tilia
e Bombus foram encontrados juntos em vários outros depósitos do Mioceno,
desenhando um padrão persistente de associação em toda a Europa, em locais na
República Tcheca, Turquia, Grécia, Alemanha e Espanha.
Mas o que manteve esses dois
grupos juntos por tanto tempo? Os pesquisadores concluíram que, em vez de uma
dependência biológica estrita, a coexistência duradoura entre Tilia e Bombus
é provavelmente impulsionada por um "aperto de mão climático". Ambos
os gêneros prosperam em climas temperados a frios. Essa preferência ambiental
compartilhada fez com que seus habitats se sobrepusessem consistentemente ao
longo de milhões de anos, mesmo enquanto os continentes se moviam e os climas
globais mudavam. Eles seguiram os mesmos ambientes, e sua interação ecológica
floresceu como uma consequência natural dessa sobreposição.
O que um fóssil de 24 milhões
de anos nos ensina?
Os fósseis de Enspel nos oferecem
uma imagem rara e inequívoca de um comportamento ecológico antigo, provando que
mamangavas já polinizavam flores de tília há pelo menos 24 milhões de anos.
Eles capturam um momento de uma relação que, como agora sabemos, se provou
extraordinariamente resiliente.
Esta interação, moldada mais por
preferências climáticas compartilhadas do que por uma coevolução obrigatória,
demonstrou uma notável estabilidade ao longo do tempo geológico. Ela persistiu
através de eras de profundas mudanças no clima e na geografia do planeta,
continuando até os dias de hoje.
Esses vislumbres do passado
profundo são mais do que meras curiosidades. Eles fornecem uma linha de base
essencial para compreendermos a ecologia da polinização moderna. Provam que
algumas relações ecológicas são antigas e robustas, oferecendo uma nova perspectiva
sobre a fragilidade e a força dos ecossistemas que vemos ao nosso redor e a
longa e intrincada história evolutiva que os moldou.
Artigo
Geier, C., Engel, M.S., Bouchal, J.M., Ulrich, S., Schönenberger, J., Uhl, D., Wappler, T., Wedmann, S., Boudet, L. and Grímsson, F. (2025), 24 million years of pollination interaction between European linden flowers and bumble bees. New Phytol, 248: 2111-2127. https://doi.org/10.1111/nph.70531
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